A eternidade dos Beatles
Texto
restaurado e reeditado
Comecei no Jornalismo em 1971. Tinha 16 anos,
sabia que uma nuvem negra estava sobre a nação, mas só nas redações dos jornais
entendi o que significava o peso de uma ditadura, e como todo foca jamais um
chefe de reportagem me mandou cobrir calamidades políticas. Lugar de foca era
na redação, telefonando, aprendendo e, no máximo, cobrindo um incêndio, um
acidente, o cotidiano do mundo cão.
Chegava em casa, tomava um banho, estudava e depois
ligava um pequeno toca discos Philips por onde desfilavam, basicamente,
Beatles, The Who, The Troggs e Led Zeppelin. Desnecessariamente nessa ordem. Eu
achava que os Beatles tinham acabado em 1970, mas só com o passar do tempo
percebi que, ao invés de morrer, a banda ingressou no olimpo. Por sua
honestidade musical, empenho existencial, ganhou a preciosa chave dos portais
da eternidade onde está até hoje e, provavelmente, sempre.
Meses atrás peguei uma série de fotos num site que meu
amigo Luiz Tibás, também beatlemaniaco como eu, me indicou. Uma sessão de fotos
de Ian Mcmillan em Abbey Road que resultou na capa do antológico álbum com o
mesmo nome que, em tese, fechou a tampa do conluio de Lennon, McCartney, Starr
e Harrisson. Na verdade, com a sua morte formal os Beatles estavam apenas
iniciando uma nova jornada, que prevalece e, pelo que percebo, está blindada
contra o tempo.
Como a maioria dos garotos da segunda metade dos anos
60, com meus 11 anos de idade tive minhas bandas de Rock. Tocávamos covers de
nossos heróis para plateias entorpecidas porque ninguém conhecia The Troggs,
cujo clássico de 1966 eu pus lá embaixo para vocês ouvirem. Não ousávamos tocar
The Who por incompetência musical (éramos amadores) mas arriscávamos mandar
Beatles de vez em quando. A brincadeira acabou quando saiu “Revolver”
(“Tomorrow Never Knows” descabelou nossos palhaços) e fomos degolados quando os
quatro gênios lançaram “Sgt Pepper´s”. Não conseguimos tocar “aquilo”.
Vamos voar até 1990. De plantão em frente ao hotel onde
Macca estava hospedado (ele fez o bombástico show no Maracanã) eu esperava de
tudo. Eu não, nós porque havia um bando de jornalistas considerável. E lá pelas
tantas um carro parou, vidros escuros e desceram Linda e Paul. Esperava de
tudo, menos que ele se aproximasse um pouco de nós e, em voz alta, dissesse
“essa cidade é linda”. Deu um até logo e entrou no hotel. Fiquei me beliscando.
Eu vi Paul McCartney a menos de cinco metros de distância? Vi. Vi sim. E fiquei
mudo.
Se fosse a Rainha da Inglaterra teria enfiado o microfone do gravador
na boca e arrancado uma declaração. Se fosse o presidente da república ou
qualquer astro de qualquer dimensão cultural, eu teria avançado para
entrevistar, mas Macca me congelou. Em segundos todo o meu passado de banda de
garagem, mais namoros furtivos roçando em muros de chapisco ao som dos Beatles,
mais a evolução, mais....mais tudo veio a minha cabeça. Nada fiz, mas eu vi
Paul McCartney. Anos antes estive a dois metros de George Harrisson, no
autódromo do Rio e Ringo também vi umas duas vezes. Lennon? Jamais. Paul, uma
vez. Eterna vez. Eterna como os Beatles.
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