José Louzeiro: um democrata com vocação para o perigo - Texto de Antonio Ernesto Martins
Naquela segunda metade da
década de 50, o sol escaldante do Rio de Janeiro ardia inclemente no firmamento
da então capital do Brasil, enquanto um nordestino franzino caminhava pelo
centro da cidade a caminho do trabalho. Suava em bicas. Não era para menos. A
despeito do verão tropical que elevava a temperatura para perto dos 40º C, ele
vestia três camisas por baixo do paletó. No entanto não era por maluquice que o
fazia. Era a única estratégia encontrada para não ser roubado novamente na pensão
de Botafogo onde havia alugado uma vaga, pouco depois de chegar ao Rio vindo do
seu Maranhão.
Esse jovem era José Louzeiro
e ainda não se podia prever que ele se transformaria em um dos maiores
escritores do Brasil, pioneiro nacional do gênero romance-reportagem, autor de
mais de 50 livros, 10 roteiros para longas metragens e três telenovelas para a
TV.
Mas sua vocação para o
perigo, seu interesse pela crônica policial, seu empenho na defesa das
liberdades democráticas e sua fascinação pelo personagem delinquente já estavam
presentes em sua alma quando ele chegou ao Rio de Janeiro em 1953. Veio fugindo
do Maranhão para não morrer assassinado após a publicação de uma matéria sua no
jornal O Combate onde denunciava um
influente político por prática de tortura.
Filho de um pedreiro, Louzeiro
conseguiu estudar em um colégio particular através de uma permuta que seu pai
fez com a escola. Em troca dos reparos feitos no prédio o pequeno José ganhou
bolsa de estudos e não demorou muito até que suas redações se destacassem nas
aulas de português, chamando a atenção do diretor do colégio que o encaminhou
para o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Corrêa da Silva. Este o recomendou ao chefe da redação do jornal O Imparcial. Assim Louzeiro ganhou seu
primeiro salário como aprendiz de revisor.
Seu trabalho consistia
basicamente em ler e dessa forma mergulhou na obra de grandes autores
maranhenses através do suplemento de literatura do jornal. Após 2 anos na
função de aprendiz tornou-se repórter policial. Sobre o motivo que o levou para
esse campo de trabalho, declara:
“Sempre achei o
delinquente fascinante. Tudo explode nele com muita intensidade, exaltação. Ele
é capaz de praticar o crime e chorar quando é condenado. Mata sem motivo...
Investigar isso era o que me atraía e ainda me atrai.”
No Rio de Janeiro,
inicialmente foi trabalhar como datilógrafo em uma empresa de máquinas gráficas
de segunda mão, pois achava que ali teria contato com pessoas ligadas às
redações de jornais e seu plano deu certo. Conseguiu uma vaga de boy na Revista da Semana passando em seguida
para redator publicitário. Daí em diante sua carreira como jornalista
deslanchou e em 56 ele foi para o Jornal Luta
Democrática.
Trabalharia também no Diário Carioca, Última Hora e O Correio da
Manhã, onde permaneceu por oito anos.
Em 58 vendeu sua máquina de
escrever para custear despesas com a publicação de seu primeiro livro, Depois da Luta, pela Editora Simões.
Durante a ditadura foi censurado e preso junto de outros companheiros do Correio da Manhã como Carlos Heitor Cony e Álvaro Mendes, entre outros. Perseguido
pelos militares decidiu se esconder em Brasília.
“Aprendi, com os
anos de reportagem policial que o melhor lugar para se esconder é ao lado da
polícia. Por isso fui morar em Brasília, em um prédio na Asa Norte, no qual o
síndico era coronel do exército. Mas ele me adorava! Até descobrir quem eu era.
Tive que fugir novamente.”
Mudou-se então para a capital paulista e conseguiu um emprego na Folha
de São Paulo onde fez uma matéria sobre uma chacina promovida pela polícia
que jogou vários meninos considerados infratores do alto de um precipício. Alguns sobreviveram e Louzeiro os
entrevistou. Dessa extensa matéria, a censura autorizou a publicação de apenas
30 linhas.
De volta ao Rio escreve o livro Infância dos Mortos que conta os
detalhes de sua investigação sobre esse caso e que serviu de argumento para o
filme “Pixote – A lei do Mais Fraco” de Hector Babenco. A partir
daí o trabalho de Louzeiro não para mais de se embrenhar pelo cinema nacional e
outro filme, também de Babenco, alcança grande sucesso baseado em um
livro de Louzeiro: “Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia”. O
livro conta a história do bandido Lúcio
Flávio Vilar Lyrio que, perseguido pelo grupo de extermínio Esquadrão da
Morte em plena ditadura militar, é preso e morto a facadas na cadeia.
Crítico
contundente das arbitrariedades do poder, José Louzeiro escreveu duas novelas
de grande sucesso para a extinta TV Manchete; Corpo Santo e Guerra
Sem Fim, nas quais os bastidores do crime e da corrupção estavam presentes
de maneira real e ousada. Sua terceira novela, O Marajá, era baseada no
governo de Fernando Collor de Melo e foi proibida de ir ao ar, apesar de
nessa época a censura não existir mais no país. Desde então não conseguiu mais
trabalho na TV.
Entre
seus livros mais famosos também está Aracelli, Meu Amor que conta o
estupro e assassinato de uma menina de 9 anos e denuncia o envolvimento de duas
famílias poderosas do Espírito Santo, o que lhe rendeu mais algumas ameaças de
morte. Escreveu também inúmeras biografias como a da cantora Elza Soares,
da enfermeira baiana Ana Nery e a de Gregório Fortunato, braço
direito de Getúlio Vargas.
Prestes
há completar 82 anos, Louzeiro está debruçado sobre seu novo projeto de uma
autobiografia romanceada, enquanto luta bravamente há mais de 8 anos contra a
diabetes que lhe ocasionou algumas amputações como a da perna direita, de parte
do pé esquerdo e de alguns dedos da mão. A partir de sua batalha contra a doença,
Louzeiro escreveu em 2007 Diabetes: Inimigo Oculto.
Além
de sua produtiva militância a frente do sindicato dos escritores, Louzeiro
também é responsável pela iniciação e capacitação de diversos roteiristas que
hoje estão atuando no mercado audiovisual brasileiro e que passaram pelos
bancos de suas turmas da oficina de roteiro que ele ministrou por vários anos.
Eu sou um deles e, ouvindo as histórias e causos desse maranhense, aprendi a
admirá-lo. Foi baseado em uma história sua vivida na redação da Ultima Hora
que escrevi o roteiro de meu primeiro curta metragem.
Agora,
passados tantos outros, me preparo para meu próximo filme que será um
documentário sobre esse bravo brasileiro que não temeu transitar pelo submundo
da bandidagem para de lá extrair histórias reais com odores de romance, não
aceitou as versões oficiais, não se curvou diante da ditadura e da censura e
agora, não se intimida diante da diabetes. Uma História que precisa ser contada
- para novas e antigas gerações - em romance, em reportagem, em cinema.·.
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