Também tenho direito à ficção
Desde ontem, quando postei aqui o texto “A Vela” (leia
abaixo, depois deste) recebi alguns e-mails (luizantoniomello@gmail.com)
perguntando se eu havia me inspirado em alguma situação real para escrever a
história da solitária mulher velejando perto de uma praia. Não, não me inspirei
em fato nenhum. “A Vela” é uma ficção, pura invenção, fantasia mesmo, mas
agradeço a quem me escreveu e as pessoas que postam seus comentários no espaço
que existe ali embaixo, depois do texto.
Mergulhei fundo no mundo da ficção quando escrevi meu
primeiro romance, “5 e 15”, que foi lançado em 2006. Não foram poucas as
pessoas que leram o livro e depois mandaram e-mails de perguntas do tipo “como
nasceu a ideia que você colocou no capítulo X ?”. Sempre respondi “não sei”
porque de fato não tenho a menor suspeita de onde vem as idéias.
Por isso senti muito receio em lançar meu primeiro
romance, que levei quase 10 anos escrevendo, parando, quase desistindo. Minha
escola é o Jornalismo, totalmente ligado ao fato, ao real, a informação consolidada. Como estou me
movimentando para escrever um segundo romance as idéias parecem albatrozes me
circundando.
O mundo da ficção permite tudo, absolutamente tudo. Estou
acompanhando a mais uma temporada da série “24 horas” (canal Fox, terças
22h30m), um dos mais delirantes vôos ficcionais que já vi na tela. Claro que
perde para Superman e Homem Aranha, mas uma bomba nuclear explodindo em Los
Angeles e toda a confusão sendo resolvida praticamente por um único homem (o
agende Jack Bauer), que com uma única pistola mata 15 por minuto, mostra que o
delírio dos roteiristas de ficção não tem qualquer limite.
Todo ser humano tem suas ficções. Isso é fato
comprovado até por revistas de fofocas. Existem as ficções do bem, que se
transformam em livros, filmes, peças de teatro, poesias, letras de música e as
do mal, muito chegadas a paranóias, medos inexplicáveis e dezenas de outras
conseqüências. Fato é que há muitos anos li num livro que botar pra fora as
boas ficções faz bem a saúde.
Eventualmente me aventuro a escrever devaneios
totalmente ficcionais. Mas, ainda assim, alguns leitores perguntam se o que
escrevi aconteceu ou não. Ou então, se aquela idéia foi inspirada em alguma
experiência pessoal que vivi, enfim, parece que alguns leitores precisam ver um
pouco de realidade nas ficções. Outra delas se chamou “Nado Noturno” e foi
apenas um vadio devaneio. Não, mais do que um devaneio. Eu realmente senti
desejo de realizar o nado noturno descrito no texto, nas condições emocionais
em que se encontrava o personagem.
Mas se os leitores perguntarem como aquela idéia veio à
tona, sinceramente não saberei explicar. Sentei no computador, abri o programa
de texto e o cursor ficou piscando, piscando, provocando como as canetas no
passado diante de uma folha em branco de papel. Me ocorreu a ideia de escrever
alguma coisa sobre o amor, e acho que “Nado Noturno” raspa, sim, no amor, mas
quando comecei a escrever o texto foi andando sozinho, como um carrinho de
rolimã descendo uma ladeira.
Tenho colegas jornalistas que se dão muito bem com a
ficção, mas eles sempre dizem que o pavio é aceso por algum elemento factual,
alguma coisa que aconteceu ou que eles achavam que iria acontecer. Outros não
conseguem. No máximo produzem uns ensaios, sempre baseados em fatos, dados,
comprovações.
Um de meus primeiros textos de ficção brotou da
história que foi contada em uma roda por um lendário cascateiro de Niterói, que
já citei aqui na Coluna. Ele disse que certa vez estava numa bóia de pneu de
caminhão na Praia de Icaraí, pegou no sono e acordou em Copacabana. Sem ter o
que fazer, dormiu de novo e acordou em Icaraí. E ai daquele que o questionasse
porque além de truculento ele brigava bem pra cacete. Tanto que, anos mais
tarde quando publiquei a história num jornal local (totalmente maquiada,
disfarçada, cheia de artifícios, mas não adiantou porque ele reconheceu) o cara
andou me procurando. Diziam que queria me dar uma surra.
Até que o acaso me fez encontrá-lo na fila do extinto
cinema Icaraí e ele me tratou amavelmente, ofereceu pipoca e o falecido (eu
acho) Chucola, drops de Coca Cola. Entendi. No fundo, ele adorou ver sua
história publicada, apesar de todas as deformações que cometi para ocultá-lo.
Vai entender. Aliás, entender pra que? Por que temos essa cisma de querer
entender muitas coisas que nos são totalmente inexplicáveis, entre elas a
ficção?
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