Preocupação: o que fazer com essa inutilidade pública?



Recentemente li um artigo numa revista científica sobre a ansiedade antecipatória, que segundo a publicação, "é um dos grandes males deste século 21, como foi, também, no século passado". Entre os fatores que aumentam o estado, digamos, descabelado do indivíduo está a preocupação. A palavra diz tudo: pré-ocupação. Sofrer por antecipação aumenta as dimensões dos problemas e ainda inventa novos e muitas vezes absurdos ingredientes, transformando o imaginário num caos.

Uma piada que exemplifica bem é a do motorista de van. Ele dirigia calmamente numa noite deserta, transportando 15 freiras que voltavam de um colóquio supostamente religioso (a piada não detalha) e de repente um pneu furou. O motorista encostou a van e verificou que o estepe também está furado. Bateu desespero.

Sozinho no breu da noite, responsável pela segurança de 15 freiras. Alguns minutos depois surgiu um capiau puxando seu burro cheio de carga. O motorista da van perguntou "amigo, você sabe onde encontro um borracheiro?". O capiau coçou o queixo e apontou para uma luz distante. "Lá é a casa do borracheiro. É um homem meio invocado, mas é o único daqui".

O motorista da van, tomado pela preocupação ("é um homem meio invocado", havia dito o capiau), saiu andando na direção da luz. Pensa "se ele abrir a porta com uma barra de ferro, eu dou um chute; se ele abrir me xingando eu xingo ele também". Pensamentos e ideações só amplificam o drama.

Ao chegar à casa, bateu na porta. Uma, duas, três vezes. A porta abriu e um sujeito disse apenas "boa noite". Tomado pelos pensamentos, o motorista da van pega o borracheiro pelos cabelos gritando "boa noite nada, seu safado, moleque" e dá-lhe uma surra sem mais nem menos. Não resolveu o problema do pneu e, pior, criou outro com a polícia.

Preocupação é viver uma situação supostamente ruim, no mínimo, duas vezes: antes e durante. Ou, pior, é viver o antes sem encontrar o depois, o que vulgarmente a psiquiatria chama de ideação paranoide. Sabe o resultado de uma prova que vai sair daqui a 20 dias? Muitas vezes essa espera é mais torturante do que a prova em si e o resultado também.

Anos atrás, fizeram uma pesquisa nas penitenciárias americanas e o resultado chocou. Vinte e cinco por cento dos condenados que aguardam no chamado "corredor da morte" queriam ser executados logo, para cessar a agonia. Preferiam, inclusive, ir para a cadeira elétrica no dia da pesquisa, abreviar a espera, calar os turbilhões de pensamentos cáusticos.

Qual é a solução para nos livrarmos de preocupações? Não é uma questão fácil. Especialistas dizem que mudar o alvo do pensamento assim que bater a preocupação é um bom caminho, já que só conseguimos pensar em uma coisa de cada vez.

Mas esses mesmos especialistas ressaltam que é um exercício árduo que exige muita dedicação e, em muitos casos, terapia. No caso do motorista da van, citado na piada, em vez de ir pensando na receptividade ruim do borracheiro deveria ter olhado as estrelas, lembrar de uma música, enfim, substituir os pensamentos negativos e liquidar as fantasias ruins, e não ser engolido por elas a ponto de partir para o desatino. Não é fácil, mas não custa tentar.

Muita gente fala em meditação, o que não recomendo por causa de uma experiência pessoal. Fui fazer uma vez, sozinho, sem orientação e entrei em parafuso. Bateu desespero, falta de ar, palpitação, no lugar da preocupação acabei tendo um ataque de pânico, que só passou porque bebi água devagar, respirei fundo e pus um DVD com um filme para assistir. Nunca mais meditei e se fosse viver no Tibete, provavelmente me tornaria um serial killer.

A preocupação está em todos os seres humanos. O que varia é o peso delas em cada indivíduo. Por exemplo, quando era piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet dormia no cockpit do carro minutos antes de ser dada a largada, o que provocava comentários generalizados. Na época ele dizia que relaxava "evitando pensar na corrida", principalmente na semana do grande prêmio. Sem dúvida, um raro privilégio. 

Li que um toureiro mexicano dos anos 1960 gostava de comer um bife bem devagar antes de pisar na arena, enquanto que no ano passado, antes da prova do Enem, vi na TV um candidato dizer que ia entrar na sala do exame sem ter estudado nada. “Sou bom, prestava atenção nas aulas e depois das aulas ia até a praia.” O cara passou.

Ou seja, a preocupação não ajuda, só atrapalha e é uma obrigação nossa - já que nos achamos sensacionais por sermos animais racionais – acabar com ela. Antes que ela acabe conosco.

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