A “psiquiatrização” da sociedade, transformada em savana de doidos

                                                      


O clássico filme The Good, the Bad and the Ugly insinuava que a sociedade contemporânea dividia a espécie humana entre bons, maus e feios. Hoje, inflada pela má medicina, essa mesma sociedade prefere definir as pessoas utilizando expressões (e achismos) psiquiátricos do tipo “fulano é bipolar” ou “é depressivo” ou “é paranóico”, ou “é psicótico”.

Essa ideia da “psiquiatrização” social é de uma grande amiga que, como eu, já leu nas obras de Freud, Jung e até de Carlos Zéfiro que todo o ser humano tem, teve ou terá em sua vida uma grande depressão sem motivo, ou uma série de pitís, passando por situações meio paranóides, e depois tudo ficará bem, voltando a oscilar. Em outras palavras, podemos dizer que a felicidade reside num pêndulo invisível.

Mas, quem fabrica as bombas da vida quer mais que a “psiquiatrização” se torne uma norma social, uma regra, uma nova ordem mundial para que seus remedinhos vendam como óleo de fígado de bacalhau nos anos 1960 e cocaína nos 80. É a medicina do negócio. Minha amiga e eu, felizmente, conhecemos médicos bons, honrados, éticos, que não acreditam na “psiquiatrização” de coisa alguma, mas também sabemos da existência de outros profissionais que estão afogados até o pescoço em conluios com os laboratórios.

Minha amiga e eu não temos nada contra a evolução da industria farmacêutica, que tem sido crucial no alívio de problemas emocionais. Nossa, que maravilha! Não vai aqui nenhuma crítica a evolução da psicofarmacologia, lembrando que essa evolução se deu, também, a partir do programa espacial que atirou o homem fora de seu planeta onde pôde experimentar sensações inéditas como a mais radical definição de seu micro-tamanho perante o mundo, o Universo. Muitos astronautas, mas muitos mesmos, piraram quando saíram literalmente do planeta.

Uma coisa é chegar na janela, olhar para o céu e pensar “como é grande o Universo” a outra é olhar da escotilha de uma capsula espacial o gigantismo do nosso mundo e, do outro lado, o infinito real. Já imaginaram o que sente um astronauta, vagando pelo espaço amarrado a nave por um fio, sabendo que se aquele vínculo se romper ele voará, voará, voará até acabar o ar, no mais absoluto silêncio já que, sem oxigênio, nem o direito ao grito final ele terá?

Da mesma forma que nunca entendi para que serve o clássico “diga trinta e três” em exames clínicos, não será um mal estar espiritual, um baixo astral, uma crise de ansiedade que me levará a inútil divagação de que poderei ter sido engolido por graves doenças emocionais, muito bem definidas pelo Pink Floyd (“Dark Side Of The Moon”) como “Brain Damage” (assista lá em cima). Aí vem um e diz que “de médico e louco todos temos um pouco”. Eu não, meu camarada.

Está na hora do ser humano descer do balaustre da sua pueril onipotência e reconhecer que o pití existe, é natural, todos passam, passaram ou vão passar por ele em algum momento da existência. Quem assistiu ao sensacional filme “A Guerra do Fogo”* de Jean Jacques Annaud, viu a cena dos primatas que, fugindo de tigres dentes de sabre, subiram em uma árvore onde permaneceram dias e mais dias, a ponto de comerem todas as folhas dos galhos. Achavam que os tigres estavam lá embaixo, quando na verdade os felinos já tinham caído fora há muito tempo. O que Annaud quis dizer é que a tão propalada ansiedade antecipatória já está “instalada” no ser humano desde os primórdios.

A “psiquiatrização” avança pelo mundo, adoecendo que não está doente e tirando a luneta dos verdadeiros sociopatas como os corruptos compulsivos, assassinos em série, pedófilos e outras moléstias sociais. Voltarei ao assunto um dia desses. E viva os bons médicos!

* O filme “A Guerra do Fogo”, de 1981, retrata a nossa origem comum e enfatiza pontos da Teoria de Charles Darwin. Porém, durante todo o filme a pergunta: por que e como somos diferentes dos demais animais se a nossa origem é a mesma? E por que a diferença de comportamento entre os indivíduos e grupos de indivíduos se todos os seres humanos são membros da mesma humanidade?  Essas perguntas são respondidas no decorrer da história do filme, quando vemos diferentes grupos de hominídeos com habilidades diferentes de simbolizar e expressar sensações no meio onde viviam. A resposta estava na cultura.

Quando o primeiro grupo de hominídeos se vira sem o fogo, importante para a culinária e segurança do seu grupo além de proteção contra o imenso frio, já que ainda viviam seminus, três deles partiram para uma aventura, que os levou não somente a trazer de volta o fogo, mas também conhecimentos e tecnologia que contribuíram a evolução do seu grupo, através de contato com outros grupos mais evoluídos. 

Essa diferença entre todos os hominídeos apresentados no filme se mostra quando os protagonistas se deparam com grupos menos evoluídos (canibais) e outro mais evoluído, descobrindo técnicas de artesanato, pintura corporal, lançadores de flecha, cerâmica, ervas medicinais, construção de cabanas e, principalmente, a arte de produzir fogo por atrito. 

Além da linguagem e expressões como o sorriso e o humor, vindos de uma pedrada na cabeça involuntária e até mesmo o amor quando o líder do pequeno grupo se apaixona pela nativa daquela comunidade mais evoluída e com ela aprende a correta forma de se relacionar sexualmente e a respeitar seu semelhante.


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