Rock é música de acostamento, porão, periferia e não de esquemão
Bob Dylan
Jimi HendrixRolling Stones
Titãs
The Who
Se eu fosse músico de rock e me convidassem para tocar no
programa “Esquenta”, da Rede Globo, afundaria numa pesada crise existencial. Um
dos dois teria errado a mão. Errado feio; ou eu, ou o programa. Afinal, “Esquenta”,
“Caldeirão do Huck”, “Faustão”, “Altas Horas” e outros só escalam artistas que vendem milhões de discos e de uns
anos para cá, os califas do hit parade tem sido os sertanejos
universitários embolados com funkeiros.
Sábado passado, a jornalista Michele Miranda publicou no
Segundo Caderno do Globo uma matéria intitulada “Em carreira subsolo”.
Conta que na lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2014, somente
um rock, do Skank, aparece em na 93ª. posição. Os campeões: Anitta, Gustavo Lima,
Luan Santana, enfim, o cardápio do “Esquenta”, “Altas Horas”, blá blá blá. Em
síntese, a repórter entrevistou algumas pessoas e concluiu que o rock voltou
para o underground.
Roqueiro com alguma quilometragem, celebro essa manobra,
esse retorno ao muquifo, mas vamos por partes. Para começar, Skank é uma boa banda, mas é pop. Rock e pop são gêneros completamente diferentes, díspares,
antagônicos no meu ponto de vista. Portanto, vivas ao rock por não estar
representado no listão das 100 músicas mais tocadas no rádio brasileiro.
Por
que celebro? 1 – Porque o rádio brasileiro poucas vezes esteve tão anêmico,
ruim, lamentável; 2 – Em todo o planeta, rock autêntico sempre viveu à margem,
no acostamento, nos guetos e, ainda assim, vende muito disco; 3 - Em 2014 bandas como Titãs lançaram álbuns
espetaculares como o demolidor “Nheengatu”, um marco na história do rock
brasileiro. Do acostamento ouço ainda o som truculento, marginal e ótimo de
bandas como Sanatore e Kapitu que estão por aí, nos guetos, nos bares,
na periferia, lotando tudo e vendendo discos, sim.
Jimi Hendrix nunca esteve entre os 100 mais ouvidos (e vendidos)
no Brasil. Nunca! Mas vendeu (e vende) muito disco por aqui, num segmento
musical (rock/blues) que considera vende expressiva 20 mil cópias no mercado de
hoje. Mercado que mingua dia após dia. Led Zeppelin? Só teve uma música nos
braços do povo, “Stairway To Heaven”, que mesmo assim foi sucesso no rádio no
início dos anos 1970 com uma versão cortada, editada, dilacerada. O pico de
vendas do Led Zeppelin por aqui foi de 30 mil cópias, justamente do Led
Zeppelin IV (de 1971) que trouxe “Stairway...”
Que eu saiba, nem os Beatles e
os Rolling Stones venderam mais de 50 mil discos nesses trópicos movidos a
esculacho sonoro. Bob Dylan? Cinco, 10 mil. The Who? Cinco, 10 mil.
Fiasco no listão, no tal do top 100 da molambada, mas no segmento deles
venderam e vendem bem. Sempre foi assim também com a música clássica. Você pega
os números do magistral “West Side Story” com a regência do autor, Leonard Bernstein
(1985), sucesso mundial, e estão lá 10, 15 mil discos vendidos no Brasil, o que
é excelente em se tratando deste segmento.
O erro dessas listas, como a publicada pelo Globo, é que
misturam boi com piranha. Imaginem um ranking de carros mais vendidos e, com
base nele, achar que o pequeno jipe Suzuki Jimny (lidera o segmento do 4X4)
deveria vender como o Palio, Gol, HB 20. O nome disso é erro de parâmetro, que
estudei lá na casa do cacete da faculdade na cadeira “Métodos e Técnicas de
Pesquisa”. Se o Palio vende 100 mil unidades por ano o Jimny com seus 10 mil
não tem nada com isso. O importante, estatisticamente falando, é que ele (o
Jimny) se mantenha líder no seu segmento e não no segmento do Palio.
Aproveito a onda e pergunto: quantos discos de platina
Tom Jobim ganhou? Nenhum. Quantos discos de platina (eram vendas de 250 mil
discos, mas por causa da crise caiu para 100 mil) Chico Buarque, João Gilberto,
Maria Rita, Gilberto Gil, Milton Nascimento e a maioria da MPB ganhou:
nenhum! Por isso são ruins? É lógico que não. Mas pela lógica do “não tocou no
rádio” são todos um fiasco.
Quanto ao segmento rock continua muito bem representado
no Brasil. Quando quero, procuro e acho ótimos shows com nomes muito bons.
Rádio? Só ouço pela internet já que nada no dial me atrai. Nada. Frequento o
programa Ronca Ronca de Maurício Valladares (www.roncaronca.com.br) e sempre entro
em www.radios.com.br onde escolho uma
entre as dezenas de milhares de emissoras online que estão lá. Quem
gosta do autêntico rock, blues e afins, sabe que tem que correr atrás porque
a mídia de massa só publica cultura de massa. E rock não é nem nunca foi
cultura de massa no Brasil.
Gostei da matéria porque trouxe à tona essa discussão.
Hoje mesmo, no Facebook, bati essa bola com o grande João Barone, baterista dos
Paralamas:
João
Barone - Matéria no jornal de sábado se perdeu ao comparar
alhos com bugalhos. O rock voltou para seu lugar, que bom! Perda de tempo
compará-lo com os fenômenos musicais populescos.
Luiz
Antonio Mello - É o que digo incansavelmente. Lugar do
autêntico rock and roll é no acostamento, periferia, nunca no esquemão. Vou
escrever sobre isso.
Joao
Barone - Perder espaço nas rádios é sintoma da massificação
musical, certo? Mas existem as rádios dedicadas ao rock, tem a tal da internet,
tem as bandas e artistas do gênero fazendo shows, além de festivais que levam
grande parte de quem aprecia o rock. Pode melhorar? Pode, é só melhorar a economia...
Não se deve entender essa reportagem como um confronto entre o mais forte e o
mais fraco, talvez sirva para lembrar que ainda tem uma massa considerável que
consome este estilo musical.
Luiz
Antonio Mello - Hendrix nunca foi sucesso de massa, o
Zeppelin só foi popular com Stairway To Heaven e por aí vai. É outro parâmetro,
outra história.
Joao
Barone - Sim, e venderam e vendem milhões de discos.
Brasil:
50 maiores vendas de discos da história
Números oficiais da associação Brasileira de Produtores
de Discos - ABPD
Artista Período
Gênero(s) Vendas estimadas
Tonico & Tinoco 1930-1994
Sertanejo 150 milhões
Roberto Carlos 1959-presente
MPB/Jovem Guarda 120 milhões
Nelson Gonçalves 1941-1998 MPB/Samba-Canção 75
milhões
Rita Lee 1963-presente Rock
55 milhões
Nelson Ned 1960-2014
Música romântica/Música brega 45 milhões
Leonardo/Leandro e Leonardo 1983 - 1998 Sertanejo
35 milhões
Xuxa 1984-presente
Infantil 30 milhões
Chitãozinho e Xororó 1970-presente
Sertanejo 30 milhões
Raça Negra 1983-presente
Pagode/Samba 30 milhões
Maria Bethânia 1965-presente
MPB 26
milhões
Amado Batista 1975-presente
Brega/Romântico 22 milhões
Legião Urbana 1982-1996
Rock 20
milhões
Zezé Di Camargo & Luciano 1991-presente Sertanejo 20 milhões
Sandy & Júnior 1990-2007
Pop 17
milhões
Fábio Júnior 1969-presente
Romântico 16 milhões
Banda Calypso 1999-presente
Calipso/Carimbó/Lambada 15 milhões
Shirley Carvalhaes 1977-presente
Gospel 15
milhões
Pitty 1995-presente
Rock 15
milhões
Sepultura 1985-presente
Rock 15
milhões
Ivete Sangalo 1993-presente
Axé 15
milhões
Roberta Miranda 1986-presente
Sertanejo 14 milhões
Zeca Pagodinho 1983-presente
Pagode 12
milhões
Angélica 1990-2001
Pop 11
milhões
Alexandre Pires 1989-presente
Samba/Pagode 10 milhões
Carmen Miranda 1929-1953
Samba/Marchinha de Carnaval 10 milhões
Diante do Trono 1999-
presente Música gospel 10 milhões
Lulu Santos 1973-presente
Pop rock 10 milhões
Cassiane 1981-presente
Gospel 10
milhões
Marisa Monte 1987-presente
MPB 10
milhões
Turma do Balão Mágico 1982-1986
Infantil 10 milhões
Wando 1973-2012
Brega-romântico 10 milhões
Kid Abelha 1984-presente
Pop rock 9 milhões
Bruno & Marrone 1994-presente
Sertanejo 9 milhões
Rose Nascimento 1990-presente
Gospel 8,5
milhões
Cicero Nogueira 1973-presente
Gospel 8
milhões
Padre Marcelo Rossi 1997-presente
Música católica 8 milhões
Só pra Contrariar 1989-presente
Pagode 8
milhões
Roupa Nova 1980
- presente Pop rock 8 milhões
Belo 1993-presente Samba/Pagode 7
milhões
Lauriete 1982-presente
Música gospel 7 milhões
Aline Barros 1995-atualmente
Gospel 7 milhões
Daniela Mercury 1981-presente
Axé 7
milhões
Titãs 1982-presente
Rock 6,3
milhões
Deborah Blando 1991-presente
Pop 6
milhões
Trazendo a Arca 2007-presente
Música gospel 6 milhões
Mattos Nascimento 1991-
presente Pentecostal 6 milhões
Rouge 2002-2005
Pop 6
milhões
Skank 1991-presente
Rock 5,5
milhões
Fernanda Brum 1992-presente
Música gospel 5,3 milhões
Os Paralamas do Sucesso 1977-presente
Rock 5
milhões
Charlie Brown Jr. 1992-2013
Rock 5
milhões
Ana Carolina 1999-presente
MPB/Pop 5 milhões
P.S.
– “Estou de saco cheio dos sucessos dos Beatles”. Leia em http://lounge.obviousmag.org/luiz_antonio_mello/2015/02/estou-de-saco-cheio-dos-sucessos-dos-beatles.html
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