A verdade sobre a luta armada no Brasil, ou, a ditadura chegou a proibir que as rádios falassem em epidemia de meningite
O candidato a vice na chapa de Aécio Neves a presidente
foi um homem importante na luta armada no Brasil. Aloysio Nunes Ferreira,
preso várias vezes mas nunca torturado, avalia hoje que a opção pelas armas foi
um erro da oposição brasileira. Um tema que mexe com os nervos, becos, artérias
do inconsciente coletivo nacional.
Desde que foi criada a Comissão da Verdade tenho recebido
correntes com e-mails enaltecendo o golpe de 1964, os algozes como alternativa
moral para o país, detonando quem se engajou na luta armada que, nessas
mensagens, são tratados como bandidos, ladrões, assassinos. Como se na ditadura
vivêssemos numa Shangri-la tropical.
Entendo a revolta das pessoas (minha, inclusive) contra aqueles que se dão bem graças a vitimologia. Gente que ganha milhares de reais por mês de indenização, sem terem tocado num pedaço de pau nos anos de chumbo. Também é justificável o desprezo coletivo (meu também) com ex-guerrilheiros que quando chegaram ao poder caíram de boca no dinheiro público no maior cinismo. Mas pretendo falar de regras e não de exceções.
Tempos atrás recebi uma mensagem que me deu vontade de
golfar. O remetente, que copiou o e-mail para dezenas de pessoas, clamava que nós,
segundo ele “brasileiros autênticos” pedíssemos que os militares saíssem dos quartéis para acabar com os comunistas que tomaram conta do Brasil, como em
1964.
O tal remetente disse que o golpe de 64 salvou o país das
“garras vermelhas” (chega a ser engraçada essa expressão), mas que hoje o país
clama pela volta dos fardados ao poder para que possamos viver livres, definitivamente,
dos “comunas”.
O que esses fabricantes de e-mails (escritos aos
milhares) querem é convencer que “naqueles tempos” (ditadura) não havia
ladrões, vivia-se o milagre brasileiro na economia, enfim, um lixo de
informações distorcidas e propositalmente equivocadas.
Na ditadura os meios de Comunicação estavam sob censura,
especialmente a partir do famigerado AI-5, baixado pelo marechal-presidente
Arthur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que degolou todos os direitos
de liberdade de expressão no país.
A ditadura manipulava a inflação, o crescimento
econômico, epidemias, enfim, sob o lema “Brasil, ame-o ou deixe-o” roubaram
muito. Só na construção da Transamazônica, usina de Itaipu e Perimetral Norte
(sim, existiu uma estrada ao norte com esse nome) foram bilhões.
Em 1974, para combater uma gravíssima epidemia de
meningite no país, que matou muita gente, a ditadura (na época sob o comando de
Ernesto Geisel), em vez de fazer vacinas decidiu censurar a imprensa. Eu
trabalhava no jornalismo Radio Tupi AM, uma emissora popular, e chegavam várias
ordens de censura da Polícia Federal proibindo a emissora de mencionar a
palavra meningite.
Até o AI-5 a oposição conseguia funcionar relativamente,
mas a partir dele todas as vozes que não babassem os ovos dos ditadores eram
cassadas ou assassinadas/torturadas. Foi quando a luta armada de esquerda
começou a ganhar força, tentando peitar a ditadura.
Hoje já está mais do que claro que foi um erro, um gravíssimo
erro. A História (sempre ela, sábia) explica que os verdugos, a tortura, a
matança na ditadura foi uma reação à luta armada, um argumento com o qual nunca
concordei.
No Araguaia, pouco mais de 60 militantes do PC do B
(Partido Comunista do Brasil, hoje o mesmo que em 2008 elegeu vereador em São
Paulo – urgh! – o cantor Netinho de Paula) entraram em confronto com as tropas
do Exército. Coube ao general Hugo Abreu, que entrevistei em 1978, a missão de
fazer a chacina.
Ele chegou lá com centenas de militares e até napalm
usou. Pendurou guerrilheiros mortos de cabeça para baixo em helicópteros e,
munido de um alto-falante, alertava a população sobre o perigo de dar apoio aos
comunistas. Morreu muita gente no Araguaia. Pior: sumiu muita gente naquela
selva e é isso que a Comissão da Verdade ainda pretende desvendar.
No círculo civil (aliás, havia muitos civis beijando a
boca da ditadura) o maior carrasco foi o delegado do Dops de São Paulo Sergio
Paranhos Fleury, o homem que matou Carlos Marighella e torturou e matou outras
dezenas e mais dezenas de pessoas. Dizem que ele morreu assassinado em seu
iate.
Para se ter uma breve ideia do que acontecia naqueles
tempos vale à pena procurar o filme “Pra Frente Brasil”, de 1982, dirigido por
Roberto Farias. Mas quem quiser ir fundo no assunto, leia a coleção “As Ilusões
Armadas”, quatro livros de Élio Gaspari que vão ser relançados não e deixam
dúvidas.
Como se sabe, a luta armada perdeu. Muitos morreram, a
maioria (dizem) desapareceu e outros tantos foram para o exílio. Em 1979, o
general presidente João Baptista Figueiredo assinou a anistia e todos voltaram.
Todos, sem distinção, mesmo os mais ferrenhos radicais, disseram que a luta
armada foi um erro e que a democracia deveria ser conquistada através de meios
pacíficos, o que, de fato acabou acontecendo.
E a democracia, digam o que disserem, é o melhor regime
já inventado. O fato de poder escrever essas linhas na certeza de que não serei
preso e detonado por causa disso é um exemplo. Mínimo, mas é.
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