“Selva do Metal”, um culto aos decibéis


                         Philippe Mello
Neste domingo as 18 horas, meu sobrinho Philippe Mello estréia no rádio.  Administrador de empresas, guitarrista e profundo conhecedor de rock ele produz e apresenta o programa “Selva do Metal” na super webradio Cult FM que fica em http://www.radiocultfm.com . Ou seja, pode ser ouvida em qualquer ponto do planeta.

A estréia do programa me lembrou de um artigo (postado aqui há tempos) que escrevi nas páginas amarelas da revista Veja em janeiro de 1985, explicando ao público o que eram os metaleiros que, me explica Philippe, mudaram, criaram novas ramificações, tendências musicais. Trinta anos se passaram e é bem provável que o metaleiro que descrevi na Veja tenha desaparecido do mapa.
Título do artigo: Um Culto aos Decibéis. Vamos a ele:

Chegou a hora dessa gente esverdeada mostrar seu valor. Finalmente a partir de 21 de janeiro, o day after do rock in Rio, o país terá que conviver com uma estranha tribo. Uma tribo de roqueiros que tem no heavy metal sua base existencial e a ele se entrega como a um deus urbano e contemporâneo.

Esses rockers, conhecidos entre nós como metaleiros, são absolutamente peculiares e vivem uma puberdade conflitante e confusa como todos os adolescentes. Além de serem discriminados dentro de casa (de certa forma a causa que os levou ao encontro dos “heavy deuses”), os metaleiros acabaram sitiados numa caverna onde somente outros metaleiros são capazes de descobri-los. Dentro do rock eles também são arremessados para o subsolo por outros roqueiros de outras tribos que veem nos metaleiros apenas um bando de débeis mentais.

O Brasil, hoje, tem mais de 100 mil desses garotos que buscam na mais ensurdecedora das guitarras a catarse que muitos barbados procuram, por exemplo, dentro da psicanálise. Em sua maioria, vivem a margem das cidades, compondo uma espessa parede de compreensões que acaba transformando o grito em linguagem e o sangue (artificial) em forma de expressão. 
São amantes da fantasia. Sabem que os integrantes do Kiss são vegetarianos, não bebem e não se drogam. Mas preferem acreditar num Kiss que mata pintos sobre o palco, se embebeda sem parar e no final destrói os hotéis por onde passa. Os metaleiros sabem que os Scorpions vivem com mulheres e filhos mas preferem vê-los como um grupo que adora jaulas com cobras e aranhas venenosas, além de intermináveis orgias. 

Em bando eles se juntam (só homens) para audições coletivas de obras fonográficas decibélicas e depois saem as ruas em busca de filmes de terror ou de qualquer obra do diretor Steven Spielberg, ídolo de todos, nas telas. E, apesar das pulseiras cheias de pregos e tachinhas, cabelos enormes, roupas de couro ou curvim, correntes e cadeados espalhados pelos braços, os metaleiros não são violentos nas ruas.
São porém capazes de tudo dentro de um recinto fechado, principalmente se ali estiverem se apresentando bandas ao vivo. Se um desses grupos tocar algo distante do que os metaleiros entendem como rock, não restará cadeira sobre cadeira. 

Cercados entre os tensos e intensos 12 e 18 anos de idade, os metaleiros querem que o Brasil se dane. Para eles, os políticos não passam de ladrões, os generais de “canas“  e só comparecem a comícios se os oradores partirem para o total radicalismo.

Esses garotos, responsáveis pelo sustento-base das gravadoras (os discos internacionais mais vendidos em todo o mundo são de heavy metal), não leem jornais, considerados farsas. São alienados profissionais e acham que uma letra do grupo AC/DC vale mais que um editorial em qualquer jornal do mundo. 

Temem o sexo, optando pela masturbação. Temem a mulher, optando pelo machismo, que é pregado fartamente nas letras de seus grupos prediletos. Só não temem três coisas: pai, mãe e polícia. Recentemente o músico Lobão, do grupo Lobão e os Ronaldos, fez declarações grosseiras sobre os metaleiros. 
Mas não foi só ele quem falou e fala mal dessa tribo. Muitos músicos de outras facções não cansam de tentar espatifar ou rachar esse grupo que não acredita em poder. Em contrapartida, parece que, em caso de vingança as palavras de ordem dos metaleiros são “lata no palco e desprezo nas ruas”. 

Os metaleiros serão muito mais numerosos depois do Rock in Rio, mas o Brasil não precisa temê-los. Eles só querem rock pesado e uma gravação pirada no Thin Lizzy. São ou serão eleitores de votos nulos, se drogam pouco (no máximo maconha) e querem que vá tudo, literalmente, para o inferno. O inferno para eles é o céu. Parece que o demônio é rei, mas também dentro da fantasia. 

A religião, propriamente, nunca chegou perto dos metaleiros mais próximos dos rituais hollywoodianos, pintados pelos grupos em suas músicas. Eles não tem e não querem formar opinião sobre coisa alguma. Difícil é a situação dos pais desses garotos. Entre um psiquiatra e outro, para onde costumam arrastar seus metaleiros, acabam, convencidos que esse barulho todo não passa de uma fase adolescente do roqueiro, que só se eterniza entre os profissionais e assim mesmo na base da cenografia. Afinal, quando Ozzy Osbourne enforca anões no palco e arranca cabeças de morcego com os dentes, ele próprio sabe que isso não passa de uma grande e lucrativa piada. Só que, no início da carreira, o grupo ao qual pertenceu se envolvia com magia negra e transcrevia suas experiências nos discos.

Tentar entender os metaleiros é tentar desvendar mistérios adolescentes. Eles estão presentes no mundo inteiro, colocando abaixo promessas e perspectivas e endeusando o que não existe. Acima de tudo, o movimento cresce pela falta de ídolos universais. Parece mais confortável acreditar no que não existe dos que nas alianças políticas entre gregos e troianos ou na inflação de 300%. Em última análise, os metaleiros não fazem mal a ninguém. Só que também não acreditam em ninguém.

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