Quadrophenia: ópera-rock sobre a dilacerante rejeição (e baixa estima) ganhou versão sinfônica
Como
parte das comemorações do aniversário de 50 anos do The Who, a
gravadora Deutsche Grammophon lançou
a
versão sinfônica da ópera-rock Quadrophenia, escrita por Pete
Townshend, gravada pelo Who e lançada em 1973.
Na
década de 1960, Pete Townshend e The Who definiram o conceito de
"ópera rock" com Tommy (de
1969),
dando um passo à frente com Quadrophenia. Concebida e escrita por
Townshend, Quadrophenia acabou se tornando um ícone.
Townshend
tornou públicos os seus traumas em Tommy (1969) e Quadrophenia
(1973), para mim o melhor disco da história do Who. Acho que para o
criador da banda, guitarrista, cantor, compositor, poeta, romancista,
teatrólogo, cineasta Peter Dennis Blanford Townshend, londrino de 70
anos, é a obra-prima do Who.
Álbum
duplo conceitual, essencialmente ópera-rock, Quadrophenia foi
lançado no mesmo ano de The Dark Side of The Moon, do Pink Floyd,
outro genial poema. Mas, o que Townhend escreveu fez com que vários
críticos, biógrafos e fãs começassem a chamar o disco de “álbum
da minha vida” porque, de ponta a ponta, ele aborda todos os tipos,
formas e conseqüências do hediondo e deformador sentimento de
rejeição (e
baixa estima),
tão ou mais grave e dilacerador quanto a culpa.
Em
1979 o diretor Franc Roddam lançou o filme que, evidentemente,
contou com a consultoria de Pete Townshend que numa dessas pisadas na
jaca que eventualmente dá, entregou a direção musical a John
Entwistle, baixista do Who, que deve a delicadeza de destruir a obra
original. Até flauta doce o saudoso baixista (morto de cocaína com
vinho em 2002) meteu na trilha sonora que, comprei, ouvi uma única
vez e derreti em seguida, transformando o vinil em cinzeiro, como já
havia feito com uma série de outros discos, para mim, execráveis.
Assisti
ao filme Quadrophenia em 1981, mas sem legenda. Até os ingleses tem
dificuldade de entender o dialeto mod (grupo de pós-adolescentes que
formavam quadrilhas de lambretas em Londres no inicio dos anos 60)
mas um dia, para a minha surpresa, o filme passou no Corujão da Rede
Globo, tipo três horas da madrugada de uma quinta para sexta-feira,
dublado. Há coisas nesse mundo que desisti de entender, como, por
exemplo, Quadrophenia na Rede Globo.
O
filme é ambientado em 1963 e conta a história de um garoto chamado
Jimmy Cooper (vivido pelo ator Phil Daniels) que, com a sua lambreta,
vive rodando com os outros colegas mods (expressão de que vem de
moderns), filhos de operários, que são molestados e perseguidos
pelos rockers, de classe média, montados em potentes motocicletas.
Jimmy
briga em casa e é expulso com tapas na cara, chamado de vagabundo.
Vai trabalhar, se defende de uma injustiça, manda o chefe tomar no
rabo e é demitido. Se apaixona por uma garota, mas durante uma
viagem do bando a Brighton, litoral onde rolou de fato uma batalha
campal com os rockers, dezenas de presos e feridos, ele flagra a
namorada com um cara dando amassos num beco.
E
as rejeições vão se acumulando, Jimmy ingerindo cada vez mais
doses cavalares de anfetaminas, até perceber que o único sentido de
sua vida é o bando, a ideologia mod. Bando este que tinha um líder,
rebelde radical que no filme é vivido por Sting, admirado, cultuado
por Jimmy Cooper. A lambreta do personagem de Sting é cromada, cheia
de espelhos, enfim, “cavalo” de um verdadeiro líder.
Até
que um dia, atravessando mais uma crise de angústia, Jimmy vê a
lambreta do líder encostada em frente a um hotel. Pior: flagra o
próprio líder anarquista trabalhando como carregador de malas
(“Bell Boy”), dizendo “sim, senhor”, “sim, senhora”,
recebendo gorjetas, enfim, um capacho social. Indignado, Jimmy espera
Sting entrar e rouba a lambreta dele. Sem família, sem mulher, sem
trabalho, sem grupo de amigos, decide se atirar de uma escarpa
britânica. Com a lambreta do personagem de Sting. Mas, há sempre
um mas, Townshend deixa em aberto se Jimmy Cooper morreu pois a
lambreta cai no abismo vazia.
Os
danos das rejeições são profundamente tratados nesse filme que a
crítica mundial classificou como “drama”. Aos que perguntam se é
uma autobiografia de Townshend, a resposta é não. Aos que perguntam
se retrata a adolescência de mais de 80% dos fãs do Who, com
certeza a resposta é sim.
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