Saudade, ou, por que para alguns o ontem sempre parece melhor do que o hoje?
Foi
reinaugurada no Rio a Rádio Antena 1, mais uma emissora que dá
prioridade ao passado. Com elas são três FMs burramente
disputando o mesmo público, canibalizando o mofo da saudade que não tem
idade.
As
outras infestam a nação de breganejo, pagode de quinta, molambada
em geral ou fundamentalismo religioso. Incrível. Rádio é uma
concessão do governo, em última análise pertence ao Estado, logo a
todos nós. Pois os concessionários cospem na lei na maior cara de
pau e alugam para terceiros, muitos vampiros da fé. Quem aluga uma FM em grandes cidades (Rio, SP, BH), embolsa uns 300 mi por mês sem despesa nenhuma. E o governo finge que não vê.
Muita
gente bota
músicas dos anos 60, 70 e 80 no Facebook, onde os frequentadores de
uma página dedicada a lendária Radio Jornal do Brasil AM, minha
escola de jornalismo, também lembram de momentos que nos foram tão
belos, lúdicos, sensacionais na programação musical da emissora.
Já
pus muitos clássicos dos anos
70 no Facebook. Bandas alemães de 70, 71, 72, Deep Purple lançando
Machine Head, Jards Macalé cantando “Farrapo Humano” e por aí
fui. Por que? Não sei. Deu vontade.
Na
verdade, quando posto canções antigas (não serei hipócrita) busco
o sossego. Que sossego? O sossego comum, vizinho da calma, da
tranquilidade, aquela que aparentemente enxergamos naqueles
pescadores empunhando caniços nos litorais do mundo. O passado é um
ótimo lugar para acharmos o sossego porque, em várias situações,
ele surge. É
falso, é fake, é virtual, é alienante, mas surge.
E a música tem o poder de nos transportar através do tempo.
Lembro
que numa
noite
que postei anos 70 no Facebook, me emocionei com a maciez cerebral
do grupo Neu, depois um pouco de Mike Oldfield e, é claro, o
Tangerine Dream, mesmo hoje, mais
de
40 anos depois nos leva a lugares sossegados.
Não
sei quem inventou o jargão “recordar é viver”, “saudade não
tem idade” e outros. O fato é que a maioria (?) das pessoas
relembra, revê, relê, como se o presente não estivesse robusto o
suficiente para atender as suas demandas pessoais.
As
pessoas que falam de Beatles, TV Tupi, Rádio
Fluminense FM Maldita,
Lambretta, trampolim da praia de Icaraí, Torrão de Açucar em
Búzios, por exemplo, são chamadas de saudosistas. Mas e a maioria
que sente/pensa o mesmo e não confessa?
Por
que o passado ganha do presente? Por que o presente perde para o
futuro? O que há de errado com o aqui e agora? Não sou filósofo,
nem psicólogo social, mas os livros dizem que sempre foi assim. Tem
um verso do Caetano que quando ouvi a primeira vez achei que era uma
resposta, mas depois, ouvindo seguidas vezes, percebi se tratar de
uma gigantesca pergunta:”Existirmos/a que será que se destina?”.
Especulo
que o presente nos força a existir. Sim. Soltar amarras, voar,
partir para a urgência, executar. O texto que escrevo agora é este,
não há outro. Mais: pensamos uma coisa de cada vez. Mais: temos o
direito de sentir saudade, sim. De pessoas, tempos, coisas, cidades,
mas, recomendam os mais experientes, não devemos voltar lá.
Decepção.
Passei
minha infância feliz da vida numa vila militar em Angra dos Reis,
onde meu pai serviu como oficial de Marinha. Voltei lá nos anos 90.
A vila está a mesma coisa e, confesso aqui muito particularmente que
até chorei de emoção, mas Angra? Angra está o maior favelão, não
tem mais o trem onde brincávamos, a praia do Anil está cheia de
urubus e a recepcionista da cidade não é mais uma sabiá-laranjeira
e sim uma usina nuclear.
Não
devemos voltar onde fomos felizes, vide
“Cinema Paradiso”. O
lugar do bom passado é num dos armários de nossa memória afetiva.
Mas, por que sinto o coração apertar quando ouço “I´m not in
Love”, do 10 cc, que antes de virar sucesso em todas as rádios
tocava na não menos saudosa Eldo Pop FM? Como explicar os 5, 6, 7
e-mails por dia que respondo sobre a Rádio Fluminense FM que criamos
há 34
anos? Pior: a maioria dos leitores não era nascida quando a rádio
existia? Alguém explica?
Um
dia desses alguém me disse “saudade é uma coisa, saudosismo é
outra”. Quando encontro amigos da adolescência lembro nitidamente
de cada dia, cada momento, mas esqueço de trazer a tona as
angústias, a reprovação no colégio, a queda de uma onda que me
custou 11 pontos na perna. Por que a nossa mente só edita bons
momentos do passado? Por que até pessoas que se revelaram molecas no
passado
hoje tem um lugar carinhoso em nossos escaninhos?
Alguém
tem as respostas?
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