Memórias de uma motocicleta assassina

                        Imagem que peguei na web
                          Ela nunca se fez de santa
Como o amigo Hilário Alencar sou um apaixonado por motocicletas. Quer dizer, Hilário é muitíssimo mais apaixonado do que eu, assim como outro grande amigo, Márcio Paulo Maia Tavares, motociclista há mais de 30 e tantos anos. Claro, tem o João Chaves, PhD no assunto.

Meu primeiro contato com esse obscuro objeto do desejo, veículo de duas rodas motorizado foi na adolescência, 13, 14 anos, quando começaram a ser vendidas no Brasil um ciclomotor chamado Velosolex. 

Que delícia aquilo. Eu andava na de amigos, escondido de meus pais que como 99% de todos os pais proibiam que andássemos de moto. A vele do Guilherme era envenenada e sem escapamento. Anos depois, o Guilherme vacilou na sua Yamaha 125, bateu e morreu na Praia de Icaraí.

O saudoso amigo Alex Mariano e eu estudávamos na mesma faculdade, a Estácio no Rio Comprido. Ele tinha uma Yamaha 200 azul e, dia sim, dia não cruzávamos a ponte, eu na garupa. Volta e meia o motor da moto apagava mas o Alex, que tinha alma de cientista genial como o Lampadinha, personagem de Walt Disney, sem perder a calma pedia que eu descesse e levantasse e abaixasse com força a frente da moto. “Isso é magneto com mau contato”, ele dizia. Depois de 10 a 20 balançadas a moto pegava e íamos em frente.

Uma vez no verão, ameaça de chuva, ventava pra cacete e a Yamaha 200 deu esse problema justamente no vão central. Balancei 30, 40 vezes e nada. Quase fomos pegos por um ônibus da Itapemirim que vinha voando pelo acostamento e vupt passou muito, muito perto. Tanto que eu, Alex e a moto quase caímos. Meu amigo fez uma de suas feitiçarias e moto pegou. Moto, por sinal, com 130 mil quilômetros rodados pois até a Bahia Alex já tinha ido.

Anos depois, passando algumas semanas do verão na serra, fui apresentado a “assassina”, a Yamaha 350 RD, top de linha na novela “Assim da Terra como no Céu”. Era uma verde musgo que nunca teve pinta de ingênua. Tão assassina que a Yamaha foi proibida de produzir no mundo todo. Nos anos 1980/90 voltou com uma RD nova mas foi um fracasso. Bom, um amigo de verão chamado Mosquito tinha uma, anos 1975, e me emprestou.

Saí tentando ir devagar, mas o motor de dois tempos (aquele que fazia toc toc toc toc soltando fumaça azul, mistura de gasolina com óleo) da moto meio que forçava a acelerar. Alguns sinais de trânsito adiante, parei. Uns 10 carros parados e segui o protocolo, ficando na primeira fila a esquerda. O sinal abriu, acelerei e nada. A moto fez um som de arroto, como se fosse golfar. Só deu tempo de olhar para baixo, para o motor. Em suma, ela não queimou a gasolina logo. Ficou acumulada no carburador. 

Queimou tudo de uma fez e, logicamente, a bicha arrancou forte, empinou e eu caí para trás. A moto caiu em cima de minha perna, sofri alguns arranhões, mas ainda assim insisti. Ter 15 anos é uma merda.

Fui até a Rio-Bahia onde acelerei tudo. Não tive coragem de olhar o velocímetro e quando um filme de minha vida começou a passar na cabeça aliviei o acelerados. Motor dois tempos não tem compressão, não freia, ele só faz "toc toc, toc” e você que se vire. 
A “assassina” tinha outras “virtudes” como, por exemplo, os freios de merda. Sorte que não precisei, senão adeus.

Devolvi a moto ao Mosquito com a promessa de comprar um espelho retrovisor quebrado no tombo e também umas borrachas das pedaleiras. Agradeci pensando “nessa não ando nunca mais”. Duas semanas depois Mosquito morreu. A “assassina” o jogou embaixo de um caminhão. Foi horrível.

Por que escrevo sobre a RD 350? 1 – porque vi uma hoje de manhã, parada em frente a um bar. Tive vontade de parar para fotografar mas o trânsito não deixou; 2 – tenho pensado em voltar a ter moto (desde 2003 não tenho, as duas últimas foram duas maravilhosas Suzuki DR 800), mas rola um receio, vulgo cagaço; 3 – ainda assim, inexplicavelmente bateu saudade da “assassina”.

Vai entender a alma humana.




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