“Uso o Uber Black porque dá mais status do que o Uber X”

Centro da cidade, a tarde. Esperava um Uber X junto ao meio fio quando notei, a poucos metros, uma figura conhecida que, também com o celular na mão, parecia esperar alguém.

Lembrei. Eu o conhecia desde a adolescência e seu astral não era dos melhores. Filho de pai bilionário, família de nome, desde pequeno era mauricinho, metido a besta e não esqueço uma vez, num show de rock, quando ele se dirigiu a Galo Branco (amigo comum) “denunciando” que a camisa Lacoste dele (do Galo Branco) era falsa porque o jacaré estava virado ao contrário. Galo Branco, do alto de sua boçal franqueza, arremessou “por que você não vai tomar no c…?”. Silêncio.

Em suma, já na adolescência o mauriçola era um babaca, fútil e (dizem que, em consequência) corno crônico. Consumista, metidinho, cheio de manias, ganhou o apelido de “Quentinha” porque fornecia iguarias (suas namoradas) para a “plebe” devorar.

Lembrava dessas histórias quando ele me reconheceu na rua. Claro que cumprimentei (nunca tive problemas com o cara) e perguntou o que eu fazia. Respondi “estou esperando o Uber” e ele, imediatamente, perguntou “Black ou X?”. Respondi “X” e ele “só ando de Black...dá mais status, carros elegantes, pretos, sedãs maravilhosos, zerados." Quentinha continuava o mesmo, só que conseguiu piorar.

Expliquei que o Uber X custa quase a metade do preço, os carros são bons e ele “mas não chegam perto do de um Chevrolet Cruze...Uber X só tem HB 20, Toyotinha Etios, Ford New Fiesta...de todas as cores… Uber Black só tem motorista de terno e gravata e, o mais importante, no Uber X você chega no lugar sem impactar”. Como assim, impactar? “Ah, rapaz, é chegar e todo mundo perceber o seu peso na pirâmide. Uma coisa é você chegar num lugar de Peugeot 308 e outra é “causar” num Honda Civic zerado, né?”

Fui na jugular: “você está casado?” Quentinha comentou que “sorte no jogo, azar no amor. Estou no quinto casamento, gasto uma pequena fortuna com pensões o que, de certa maneira, é de bom tom.” Perguntei se as separações tinham um motivo comum, mas ele não quis falar da provável corneação crônica e preferiu sair pela tangente. “Sou muito organizado. Meus armários são ultra bem arrumados, lugar de gravata é lugar de gravata, lugar de meia é lugar de meia, lugar de cueca é lugar de cueca, lugar de relógio é lugar de relógio. Por isso contrato ótimas (e caras) arrumadeiras, de preferência que tenham tido trabalhado no Copacabana Palace, Marriott, Sofitel. 

E as minhas ex-mulheres, bagunceiras (faltou nível social na minha seleção, admito), meio escrachadas, não se davam bem com o meu senso de arrumação, meu jeito de ser em casa. Por exemplo, gosto de dormir de pijama, algumas delas queriam me forçar a dormir nu. De manhã, visto o hobby de seda para ir tomar banho, elas queriam que eu fosse para o banheiro sem nada só para ficar de safadezas, sabe como? Ora, tudo tem a sua hora. Hora de banho é hora de banho. Hora de almoço é hora de almoço. Hora de sexo é hora de sexo”.

Lembrei que Verdugo, também amigo da adolescência, o apelidou de “Alce” e, aproveitando o embalo provoquei de novo: tem visto o pessoal, Galo Branco, Verdugo? Quentinha não se incomodou e disse “ter se livrado dessa raça muito cedo” e ficou quieto. Claro, não falou dos apelidos Alce e muito menos de Quentinha.

O Uber Black dele chegou. Quentinha esperou o motorista sair para abrir a porta traseira para ele. Que babaca, pensei. Que babaca… Ele disse “prazer em revê-lo”, entrou no sedã preto e saiu, como um senador ilícito esparramado no banco de trás. Meu Uber X chegou logo em seguida, um ótimo Nissan Versa prata.

Será que Quentinha acessa a internet? Lê jornais, revistas? Assiste telejornais? Será que Quentinha não percebe que o mundo está entrando numa nova era? Caótica, sim, já que do caos fez-se o cosmos? Será que ele não percebe que a grande onda é ser e não somente ter? Será que...


Deixa pra lá.

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