Ar condicionado: tão obrigatório aqui quanto a calefação na Europa
Acabou o frio. Tradição. A
realidade mostra que temos somente dois meses e pouco de temperaturas
amenas; julho e agosto. Chega setembro e a inclemência acende o
maçarico, aguardando a primavera que explode qualquer dia desses,
trazendo no bojo o bafo quente na nuca, cupins de lâmpada,
tanajuras, temporais, o canto deprimente das cigarras, arrastões nas praias.
Para alegria do governo e seus
comparsas (empresas de energia elétrica) é hora de boa parte dos
brasileiros em sua crônica bovinização contemplativa ligarem o ar
condicionado para conseguirem dormir, viver e morrer numa grana
quando a conta de luz chegar. Estou escrevendo num ônibus com ar
condicionado que cruza boa parte de São Sebastião do Rio de
Janeiro, onde o trânsito começa a se transformar na lenta lacraia
do final do dia.
O motorista mantém a temperatura em
20 graus (que delicia) apesar de alguns passageiros (masoquistas)
pedirem mais calor. “Não posso, são ordens da empresa” e como
hoje acordei meio enviesado me meti na conversa e acrescentei “a
temperatura está ótima; o senhor deveria ter escolhido um ônibus
sem ar ou então trazer um casaco”. O cara olhou para mim, ia falar
qualquer coisa, mas desistiu.
Lá fora de cada 10 carros que vejo,
nove tem ar condicionado. Lembro do amigo Reginaldo que ano passado
trocou um carro sem ar com zaralhadas de cavalos de potência por um
1.0 com ar. Ele me disse que “cansei de padecer, fingir que esse
flagelo do calor é oba-oba, chuva suor e cerveja”.
Com o desmatamento generalizado, a
temperatura subiu ainda mais e tornou-se insuportável para muitos.
Exceção para a indústria da cerveja, filtro solar, e de babaquices
geral. Já notei que a maioria das pessoas que cultua o calor é
babaca, mas isso é um critério totalmente subjetivo e pessoal. Quer
dizer, mais ou menos. Lembro que quando fui fazer vestibular (que por
si só já era uma merda), acordei as 6 e meia da manhã e encarei um
calor demolidor para chegar ao local da prova, que não tinha ar
condicionado. Acordar cedo já é um suplício, com calor vira
humilhação e com vestibular é fim do mundo.
Leio
que no Rio somente 30% da frota de ônibus tem ar condicionado. Como
assim? Imagine ônibus sem calefação em Moscou, Londres, Paris, em
pleno inverno? Morreria todo mundo. Aí vão dizer, “mas aqui não
morre”. Não morre é o cacete. O calor traz dengue, zika, giardia,
febre maculosa, malária, conjuntivite,
febre
chikungunya,
etc.
Ou seja, morre gente pra cacete. Especialmente nos últimos anos,
quando o país atirado
no esgoto.
Essa
transição inverno/primavera (na verdade um verão travestido de
floricultura) gera aporrinhações extras. Por exemplo, os
comerciantes espertos ligam
o ar condicionado no mínimo. Os modelos
split
indicam a temperatura desejada e não a temperatura ambiente.
Chegamos num restaurante e o ar marca 23 graus, mas o calor é forte,
suamos em bicas, reclamamos com o maître
que logo aponta para os 23 graus. Não chega a rolar bate boca, mas
ele sabe que está errado e quando insistimos
ele
aumenta a potência. Já as atendentes de consultórios, quase todas,
sei lá porque são friorentas. Passam o dia sentadas ali, segundo
elas “na ponta do iceberg”
e quando chegamos está um forno. Pedimos para aumentar o ar e elas,
sempre de má vontade, resistem com o mesmo argumento: “poxa, mas
está
marcando 24
graus”. Fazer
o que?
Pimenta
no lombo dos outros é Chica Bom.
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