Mark Knopfler: o cinema deve muito a ele
Cena de "Local Hero"
Estou
ouvindo “Altamira”, vigèsimo álbum de Mark Knopfler, escocês 67 anos,
criador do Dire Straits, que tem como diferencial um traço raro. Nunca fez
um trabalho razoável. São todos, absolutamente todos, bons ou excelentes.
Com ou sem o Dire Straits.
Apaixonado
pelo Cinema, é dele trilha sonora de um filme magistral e muito simples chamado
“Local Hero”, com Burt Lancaster, que lamentavelmente passou batido pelos
cinemas brasileiros. Motivo: o filme foi (des) qualificado como anticomercial.
Mas
se você é assinante de um bom canal de streaming (Netflix, Now, Apple
TV, etc) ou de uma ótima (e rara) com certeza vai
achar “Local Hero”, que no Brasil chamou-se “Momento Inesquecível”. Significa
que se você pedir “Local Hero”, provavelmente vão responder “não
tem”. Ou seja, você vai ter que pedir “Momento Inesquecível”, da mesma forma
que Blow Up de Michelangelo Antonioni foi lançado no Brasil como
“Depois Daquele Beijo”. Só rindo.
“Local
Hero” foi a primeira trilha sonora de Knopfler, lançada no Brasil em 1983 pela
Rádio Fluminense FM, graças ao saudoso Carlos Celles que me deu uma fita em
primeiríssima mão. Ele era diretor internacional da gravadora Polygram.
A
gravadora me convidou com um pequeno grupo de jornalistas para assistir “Local
Hero” numa sessão privada. Fui porque queria ver onde aquela trilha sonora
mágica, lírica, um pouco lúdica de Knopfler foi inserida. Comoção no
meio do filme tamanha a simplicidade, pureza, poesia que o diretor Bill Forsyth
conseguiu passar para a tela.
A
música, grandiosa música de Knopfler em seus momentos mais astrais (ele
consegue fazer um clima totalmente astral em vários momentos da trilha) me
deslocou para dentro da tela, para lugares na Escócia absolutamente mágicos como
Pennan, Aberdeenshire, praia de Camusdarach e eu fui mergulhando, mergulhando,
mergulhando, desejando estar lá, viver lá, contemplar aquelas aldeias remotas
com suas auroras boreais que o bilionário Felix Happer, magistralmente
interpretado por Burt Lancaster, venera, ama.
Lembro
que, conversando com Celles, disse que já sentia nas canções de Mark a bordo do
Straits um forte componente visual. “Skateway”, por exemplo, é uma amostra
disso e não foi à toa que está no álbum “Making Movies” (“Fazendo Filmes”),
sensacional, absolutamente sensacional como tudo que o Dire Straits gravou.
Em
2001 assisti com meu amigo Siri Mark Knopfler ao vivo no antigo Metropolitan,
na Barra. Ele estava lançando o álbum “Sailing to Philadelphia” e o local
estava super lotado. Fiquei exatamente na primeira fila, a poucos metros
do palco, bem na frente dele e, com certeza, não vou esquecer de cada segundo
daquele show, que foi, sim, frio, distante. Em determinado momento fui lá na
house mix (mesa de som) e pedi ao cara para subir o som da guitarra, que estava
baixo demais. O cara, provavelmente inglês, olhou para mim com aquela cara de
fastio e permaneceu de braços cruzados.
Antes
do show acabar, um colega meu, jornalista, chegou e me disse que M.K. estava
querendo saber “quem é o jornalista que fez vários especiais sobre o Straits na
TV e no rádio e, ainda por cima, escreveu uma matéria de capa sobre mim num
importante jornal (era o Jornal do Brasil)”. Perguntei ao colega, “o que isso
significa?” e ele “meu chapa, significa que, depois do show, se você quiser ir
conhecer o cara no camarim não haverá problema”. Não fui. Temor reverencial.
O
álbum Tracker me pegou pelo pescoço. Banhado de blues, folk e slides guitars
(universo tipicamente knopflerniano) o disco não economiza. É leve, eventualmente
dá uma pesada (sempre pelo flanco folk), depois volta. Enfim, em se tratando de
música, Mark Knopfler consegue fazer o que quer, o que é muito difícil num
planeta afogado em tecnologia de ponta e mediocridade de quinta.
O
Cinema deve um Oscar de melhor trilha a Mark Knopfler. Se não for Oscar, que
seja algo similar. Afinal já foram trilhas sonoras magistrais, compostas para
os mais variados filmes; ingleses, irlandeses, escoceses.
O
Cinema deve um prêmio a ele e sabe disso.