A esquerda que conheci

Minha adolescência mesclou terror e êxtase e apesar de ter começado a escrever em jornais aos 15 anos, política era um tema distante, proibido. A ditadura estava no auge (anos 70) e ninguém explicava o que estava acontecendo para nos resgatar do estranho planeta da alienação ideológica.

Os professores de História do Brasil paravam em Getúlio Vargas, como se o Brasil tivesse sido parido em 1500 e abduzido em 1954. Havia curiosidade com relação a aquele mormaço provocado pelo silêncio imposto pela ditadura. Ainda assim, não consegui me informar mais, apesar de saber o que significava a pichação “fora comunas” em alguns muros da cidade.

Quando comecei a trabalhar na grande mídia aos 16 anos, mantive os primeiros contatos com pessoas ligadas à esquerda. A carnifica no país seguia seu curso macabro e, por isso, minha cautela era máxima, apesar de nunca ter exercido militância. Qualquer uma. No entanto, me encantei com o ideário da esquerda, principalmente a chamada esquerda radical, que pegou em armas, assaltou bancos.

O ideário esquerdista dizia que “os fins justificam os meios”, e, sinceramente, quando comecei a escrever no Pasquim e Opinião (dois jornais ultra esquerdistas) onde defendia não explicitamente a necessidade de uma revolução popular para instaurar a ditadura do proletariado. Sim, assim como todos os movimentos de esquerda, em especial os radicais, a palavra democracia não era citada. O modelo era, basicamente, o cubano, com fartas doses de maoismo, stalinismo, trotskismo. Gente de direita era tratada como déspota.

Acreditei que assaltos a bancos eram necessárias “expropriações revolucionárias”, que os sequestros eram uma forma de “capitalizar e socializar o movimento”. Contraditoriamente, apreciava o radicalismo de esquerda e a proposta hippie em sua receita de paz e amor, tratada como alienante. Pela esquerda.

Com o avanço do tempo, além de defender a ditadura do proletariado acreditei que só Estado poderia resolver as mazelas do mundo. Defendi em artigos, discussões, bate bocas, a estatização de tudo. Bancos, supermercados, empresas de ônibus, escolas, clínicas, hospitais. O Estado estatizante seria soberano e o ideário esquerdista era claro ao afirmar que aqueles que roubassem dinheiro público seriam devidamente “justiçados”, ou seja, eliminados.

Com o passar do tempo, a esquerda foi se deformando. Coincidentemente (?) tornei-me democrata ferrenho e não engoli quando o ideário purista e limpo começou a dar lugar ao “pragmatismo” inventado pelos oportunistas e larápios em geral. Comecei a romper com o esquerdismo quando o novo (?) trabalhismo surgiu à bordo do recriado PTB e do PT. O primeiro nascia fisiológico e até a medula, apesar de alguns bons quadros filiados a ele e o PT, quase imediatamente após a sua criação, foi tomado por parasitas do movimento sindical. O MDB se esfacelou. Tancredo Neves, hoje santinho de cabeceira dos novos esquerdistas, criou em 1980 o famigerado Partido Popular (com anuência do general Figueiredo), um ajuntamento de escroques do naipe de Chagas Freitas, ex-governador do Rio.

Veio a redemocratização, com Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Alguns grandes nomes da esquerda que conheci foram presos por corrupção. Sorte minha que larguei o balaio lá por 1978 quando o jornalismo me levou a ter contato com as mais variadas matizes da escrotidão política. Corria o risco de: 1 – padecer de tanta decepção e desilusão; 2 – tentar explicar a corrupção, ato inexplicável por si só.

Democrata, hoje não sou esquerda, muito menos direita. Leio, vejo, constato gente imbecil e pobre de espírito chamando os outros de “alienados” em nomes de devaneios oportunistas e espúrios que justificam o assalto ao Estado como necessidade.

Meu dilema. A esquerda que conheci já era uma caixa de gordura totalitária e ladra nos anos 70, disfarçada de reino moralista, ou a falência ética veio depois?


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