Seu Ladrão

Seu Ladrão militava na camelotagem do Centro do Rio. Cabelos e barbas brancas, caloteiro profissional, era cumprimentado com nojo pela freguesia que ao abordá-lo soltava o dobrão: “Fala seu Ladrão, escroto filho da puta!”.

Em sua banca, Seu Ladrão vendia óculos falsificados, carregadores de celulares (também produzidos por aí), relógios. Faturava mais no conserto de objetos. Por exemplo se alguém levava óculos comuns com um pequeno problema, Seu Ladrão com mãos de mágico safado dava um jeito de dar uma “perda total”. Vendia novos para o incauto e depois consertava os óculos que foram falsamente condenados para revender.

Mentiroso, inventou que foi parido no Nordeste e atirado num Pau de Arara aos 11 anos de idade. O pau de arara teria capotado em Campos dos Goytacazes e de lá, recolhido por uma família, ele veio para o Rio onde começou a trabalhar como michê nas imediações do Passeio Público. Mentira. Seu Ladrão foi parido no Rio Comprido e foi vendido para uma família da Tijuca. Desde criança roubava compulsivamente até ser flagrado mexendo numa caixa de abotoaduras douradas do padrasto. Esbofeteado, foi chutado para a rua e se juntou a um bando de pivetes no Catete.

Um aliciador o levou para a camelotagem. Começou vendendo pilhas descarregadas, pólvora granulada para fazer cabeça de nego, cheirinho da loló e outras iguarias ilegais. Ganancioso, deu um telefonema anônimo de um orelhão para a polícia informando que seu superior (o aliciador) tinha estoque de drogas ilegais numa garagem no Catumbi. A polícia estourou a boca e, para alegria de Seu Ladrão, seu aliciador foi morto na troca de tiros.

Não gostava de ficar parado na banca, temendo levar uma surra de surpresa. Por isso percorria suas cinco filiais, que roubou de outros camelôs. Enquanto caminhava (sempre de camisa vermelha) era cumprimentado pelo povo. “Boa tarde, larápio”, “Fala, moleque!”, “Teus ovos tão assando, escrotão” e por aí ia. 

O único que o tratava cordialmente era o gerente do banco onde Seu Ladrão acumulava uma riqueza, fruto de anos e anos de trambiques, tráfico, delações e até sequestros de cachorrinhos de raça de velhinhas de Copacabana.

Um dia, Seu Ladrão percorria o Centro da cidade maravilhosa e quando deu por si estava no buraco do Lume. Contemplou o panorama de concreto e aço e disse para si mesmo “Ladrão, tu é foda”. Um segundo depois, levou um tiro na nuca, a queima roupa. Um escoteiro que o seguia tinha vindo do Rio Grande do Sul especialmente para fazer justiça com as próprias balas.

O corpo de Seu Ladrão rolou na calçada. O escoteiro abriu a braguilha, mijou no rosto do que restou do camelô e seguiu em frente. Fogos, aplausos, assobios, a multidão ensandecida comemorava o fim de uma era. Diz a lenda que o corpo de Seu Ladrão foi recolhido muitas horas depois por um caminhão de lixo porque, cinco anos antes, ele havia roubado arcadas dentárias no IML para revender para assassinos de aluguel. Ninguém no IML quis dar entrada no corpo.

Seu Ladrão não imaginava que seu próximo passo na vida seria um tiro na nuca dado por um escoteiro. Afinal, estava quase conseguindo virar parlamentar.


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